Friday, February 23, 2007

O português mais português que eu conheci


(Imagem roubada daqui; foi a única que encontrei.)

No passado verão, encontrava-me eu no Público a estagiar como jornalista científico. Atrás de mim sentavam-se os designers, que se encarregavam dos suplementos semanais. Sempre que alguém desta equipa de simpáticos profissionais estava de volta da próxima edição do Inimigo Público, aparecia um indivíduo mais velho, de trajo mais formal, gel na cabeça e mãos nos bolsos.
O ambiente na redacção de um jornal não é propriamente o mais calmo: há sempre conversas entre jornalistas, de trabalho ou não, que constituem um ruído de fundo geralmente alegre e não incomodativo. Acabamos por nos habituar e conseguir trabalhar. Mas cada vez que o dito senhor aparecia, tínhamos de ouvir a sua conversa com os designers, as piadas que ele lhes contava, e que terminavam sempre com as suas gargalhadas, altíssimas e algo alarves, que se ouviam naquele andar todo. O senhor pelos vistos achava muita graça a si próprio.
Um dia eu finalmente não aguentei mais. Dirigi-me ao senhor e pedi-lhe que falasse mais baixo, pois estava a incomodar-me e não me deixava trabalhar. Embora não deva ter sido propriamente simpático, pois encontrava-me (julgo que) compreensivelmente agastado, garanto que falei sempre com bons modos. Mas tal não foi suficiente para o senhor, que (numa reacção que nunca esquecerei) me mirou de alto a baixo e perguntou: “Quem é você?” Para de seguida me acusar de o “mandar calar” (algo que nunca fiz).
Compreendo que o senhor se manifestasse surpreso por ver um estagiário dirigir-se-lhe desta forma: os estagiários estão na base da hierarquia do jornal, à procura de uma vaga no quadro. Está certo que eu não era um estagiário como os outros (nomeadamente não pensava seguir a carreira de jornalista). Mas dirigi-me a ele, sem saber quem ele era, como me teria dirigido a qualquer outra pessoa (sempre com bons modos): por estar convencido da minha razão. Nunca vislumbrei no senhor qualquer pedido de desculpas ou sinal de arrependimento. Mas pela forma como me questionou, é legítimo pensar que, se me conhecesse, nomeadamente se eu me chamasse Belmiro ou Zé Manel, a sua reacção teria sido outra. Quando alguém chama a atenção a este senhor, pelos vistos é mais importante a posição da pessoa do que a razão que eventualmente possa ter.
O episódio passou-se, e entretanto o meu estágio no Público acabou. Não fazia na altura ideia de quem era o indivíduo com quem tinha protagonizado este episódio. Vim mais tarde a descobrir tratar-se do director do suplemento Inimigo Público. E só ainda mais tarde descobri o seu nome, e que era membro permanente do painel de comentadores do programa O Eixo do Mal, estando na origem da recente iniciativa para a escolha do “pior português”. Não o vou classificar como “bom” ou “mau”, pois todos temos virtudes e defeitos. Mas pelo comportamento que evidencia no que aqui relatei sobre o barulho na redacção (sobranceiro para com os estagiários, subserviente para com os poderosos) e pela tendência para a maledicência no que diz respeito aos seus compatriotas e semelhantes, considero que, de todos os portugueses que eu conheci, Luís Pedro Nunes, ele sim, neste pequeno episódio, representou o pior de ser português.

Publicado originalmente no Cinco Dias.

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