Parece que está a causar muita polémica o mapa da distribuição dos votos no Referendo sobre a IVG.
Os do Não, tentando desvalorizar o seu acantonamento às zonas rurais do Norte e de maior influência da Igreja Católica, arranjam todos os pretextos para justificar a sua derrota, recorrendo quer à intervenção pessoal do Secretário-Geral do PS, quer à campanha “light” do Sim ou quer à propaganda dos media em torno dos julgamento das mulheres que abortaram. O que não querem, e isso foi visível, tal como eu já tinha aqui referido, com Marcelo Rebelo de Sousa, na noite eleitoral da RTP 1, e agora com Lobo Xavier, na Quadratura do Círculo da SIC Notícias, é estabelecer qualquer ligação entre esta distribuição e o mapa da influência da Igreja. Para este último a oposição não será entre o Portugal moderno e citadino e o Portugal rural e conservador, dando como exemplo que não se pode considerar moderna certa esquerda que se opõe às delícias da flexibilidade das leis laborais, enquanto ele e os seus amigos, que votaram Não no Referendo, é que devem ser considerados modernos por proporem a alteração daquelas leis. Esquecendo deliberadamente que as propostas do Não, principalmente a última, a que foi apresentada na noite da derrota eleitoral, que atribuía a cada mulher que não queria abortar o mesmo dinheiro que se daria para uma IVG, são um exemplo acabado de transformar as putativas abortadoras em subsídio-dependentes do Estado se não o levarem à prática. Estas propostas vão pois ao arrepio do neoliberalismo anteriormente defendido.
Mas voltemos novamente ao mapa da distribuição dos votos. Alguns, com dúvidas legítimas, interrogam-se sobre esta distribuição (ver aqui). Sem precisar de recorrer à erudição, como o fez Manuel Vilaverde Cabral (RTP 1), ao remontar esta distribuição às lutas liberais, sabe-se que a Igreja tem muito mais influência no Norte do que no Sul do país. Basta recuar ao PREC para reconhecer que foi no Norte que a Igreja organizou as populações contra os subversivos do Sul. No Verão Quente de 1975, as sedes dos partidos à esquerda do PS foram queimadas no Norte por populações muitas vezes arregimentadas à saída das missas. Recordam-se aqueles que já eram nascidos que, no 25 de Novembro, Portugal estava dividido em dois, a norte de Rio Maior predominava a contra-revolução, a sul era a Comuna de Lisboa. Sabe-se que o Alentejo e o Algarve sempre foram terras de missão para a Igreja Católica e que durante o fascismo esta não conseguia controlar os trabalhadores rurais alentejanos, enquanto o Norte era o viveiro de recrutamento das forças repressivas do regime, PIDE, PSP e GNR Há pois uma história longa que divide Portugal em dois. Por isso, este Referendo reflectiu isso mesmo, mas igualmente a perda de influência da Igreja nas grandes populações urbanas (veja-se o caso do conselho de Aveiro ou do distrito do Porto, em que agora o Sim ganhou ). Pacheco Pereira, na mesma Quadratura do Círculo, considerava que estas populações consideravam-se Católicas, mas não iam regularmente à missa.
Por tudo isto é interessante reparar que alguns, para não serem chamados de rurais e anti-modernos, arranjam um conjunto de justificações que chegam mesmo, contra os seus interesses políticos, a hipervalorizar a acção do Primeiro-Ministro, outros, por ignorância política, que na sua maioria é o caso dos jornalista, ficam perplexos e não compreendem a distribuição geográfica do Sim e do Não. Por mim, que, com alguma simplificação, reduzi este confronto, entre o Portugal laico e liberal e o Portugal agarrado à Santa Madre Igreja, não me custa nada compreender esta distribuição.
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